Matéria Publicada no Site do jornal Gazeta do Povo
O nascimento de Maria Clara Cunha, escolhida a dedo em laboratório, trouxe novo combustível para antigas discussões bioéticas
De acordo com o geneticista que atendeu os pais de Maria Clara, Ciro Dresch Martinhago, os embriões excedentes em um procedimento de seleção genética podem ser tanto descartados, quanto congelados. “É uma decisão do casal, mas na maioria das vezes os embriões são descartados”, explica. Segundo o professor de genética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Salmo Raskin, o problema não nasceu com a seleção genética. “A fertilização in vitro também gera embriões sobressalentes. A diferença é que, na seleção genética, os descartados geralmente possuem doença”, afirma.
Tecnologia
Superbebê de laboratório é ficção ainda
A ideia de poder escolher um embrião saudável abre portas para discussões sobre a possibilidade de definir outros aspectos genéticos dos bebês, como a cor dos olhos, dos cabelos ou tipo físico. Entretanto, especialistas afirmam que ainda não existe tecnologia capaz de criar o superbebê.
Para o médico geneticista Salmo Raskin, um dos motivos é que não se tem conhecimento completo para analisar todos os genes. “Nós não conhecemos todos os genes relacionados a cor dos olhos ou a cor da pele. Além disso, já é complexo analisar dois genes. Ter de analisar 200 é absolutamente impossível de se realizar hoje”, afirma.
“A manipulação genética, atualmente, é uma grande bobagem, pois nós ainda não conseguimos afirmar que um olho vai ser azul ou castanho”, diz o geneticista Ciro Dresch Martinhago. (MS)
O assessor da comissão Vida e Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Rafael Fornazier, defende que “é louvável a busca de soluções para sanar o problema da esterilidade, porém, isso deve ser feito no respeito à dignidade da criança, que tem o direito de ser o fruto da união conjugal dos pais.”
Para o presidente regional da Sociedade Brasileira de Bioética e coordenador do mestrado de Teologia da PUCPR, Mario Antonio Sanchez, o descarte é um problema em cima do outro. “Se é possível selecionar um dos embriões é porque ele está vivo e tem identidade. Mesmo o congelamento, é um descarte a longo prazo”, afirma.
Eugenia
“Ao produzir vários embriões, a seleção genética aparece, cada vez mais, como possibilidade de escolha de uma criança mais ‘perfeita’. Aqui cabe a pergunta: não seria isso uma forma de eugenismo, reprovado pelo Conselho Federal de Medicina?”, questiona o padre Fornazier. Para Sanchez, a seleção genética pode ser, sim, uma forma de eugenia. “Não podemos definir que alguém vale pelos seus traços biológicos e descartar os inaptos”, opina.
O professor de reprodução humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Karam Abou Saab conta que a legislação permite a seleção para evitar doenças. Mas, no caso de Maria Clara e sua irmã Maria Vitória, a compatibilidade também foi motivo de descarte. “Embriões sadios, mas que não são compatíveis, também acabam sendo excluídos. Isso não é justo, nem ético, pois não posso descartá-los sem motivos sérios”, destaca Saab.
O médico Ciro Martinhago rebate dizendo que a seleção de embriões é permitida e que, no caso de Maria Clara, houve preparação dos pais. “Eu fiz o que considero ético. Conversei com o casal mais de um ano antes da fertilização, para que houvesse consciência de que eles queriam outro filho e para a menina não se sentir usada por ter nascido para salvar a irmã.”
Compatibilidade entre irmãs é o diferencial
O nascimento de Maria Clara Reginato Cunha mostrou que a ciência brasileira avançou na seleção de embriões. A irmã mais velha de Maria Clara, Maria Vitória, de 5 anos, sofre com uma doença genética hereditária, a talassemia major – que causa uma produção menor de glóbulos vermelhos na medula óssea. Os pais dela, Jênyce Carla Reginato Cunha e Eduardo Cunha, decidiram que o próximo filho ia ser livre da doença e também compatível com a irmã mais velha, para doar células-tronco do cordão umbilical. Nesse cenário entrou a seleção de embriões saudáveis, por meio de fertilização in vitro. A técnica de escolha de embriões não é nova – existe desde 1990 – , mas a grande jogada do caso brasileiro foi a seleção a partir da compatibilidade entre as duas irmãs.
No caso de Maria Clara, dez embriões foram gerados por fertilização in vitro. Após 72 horas da fecundação em laboratório, uma célula de cada embrião foi retirada para o teste genético. Foram analisadas 11 regiões do DNA, duas delas relacionadas à alteração no gene que provoca a doença e nove na região da compatibilidade. Apenas um não apresentava a doença, não tinha traços de talassemia major e, ao mesmo tempo, era compatível.
Técnica comum
O professor de Reprodução Humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Karam Abou Saab diz que a seleção de embriões em laboratório é feita no dia a dia. “Mesmo em fertilizações in vitro normais temos de selecionar embriões vivos e em boas condições”, explica. De acordo com o professor de genética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Salmo Raskin, uma grande diferença na seleção genética é que, nesses casos, nem sempre o casal tem dificuldades para engravidar. “A razão para eles usarem a fertilização in vitro é diferente”, afirma.
Mesmo com os avanços, porém, os médicos afirmam que a técnica é pouco utilizada. Um dos motivos é a falta de domínio dela. “A seleção e análise são complexos, pouquíssimos lugares no Brasil fazem”, explica Raskin. Outro motivo é a falta de conhecimento das pessoas sobre doenças hereditárias na família. O próprio custo do processo também é outro grande impeditivo. Somente a fertilização in vitro pode variar de R$ 10 mil a R$ 30 mil. A análise genética do embrião, por ser rara, também tem custo alto, cerca de R$ 6 mil.
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