Artigos

Artigos

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Conversas com Tillich e Jung

 Fazendo a leitura da Teologia Sistemática de Paul Tillich, deparei-me com a questão da alienação como hybris, conceito esse muito profundo e bem explorado pelo autor. Mas o que me leva a escrever é um texto que encontrei no livro de C. G. Jung, “Psicologia e Religião Oriental”, onde Jung faz sua análise comparando os conceitos entre o pensamento religioso Ocidental e Oriental, e citando Kierkegaard, afirma 1:


“(...) “o homem está sempre em falta diante de Deus”. O homem procura conciliar os favores da grande potência mediante o temos, a penitência, as promessas, a submissão, a auto-humilhação, as boas obras e os louvores. A grande potência não é o homem, mas um totaliter aliter, o totalmente outro, absolutamente perfeito e exterior, a única realidade existente. Se modificarmos um pouco a fórmula e em lugar de Deus colocarmos outra grandeza, como por exemplo, o mundo, o dinheiro, teremos um quadro completo do homem ocidental zeloso, temente a Deus, piedoso, humilde, empreendedor, cobiçoso, ávido de acumular apaixonada e rapidamente toda a espéciede bens deste mundo tais como riqueza, saúde, conhecimento, domínio técnico, prosperidade pública, bem-estar, poder político, conquistas etc. Quais são os grandes movimentos propulsores de nossa época? Justamente as tentativas de nos apoderarmos do dinheiro ou dos bens dos outros e de defendermos o que é nosso. A inteligência se ocupa principalmente em inventar “ismos” adequados para ocultar seus verdadeiros motivos para conquistar o maior número possível de presas.”

Jung faz uma descrição que não há como negar representa o homem moderno ocidental, e o que é pior ainda, muitas vezes parece com o típico evangélico que encontra na acumulação e demonstração destas conquistas como bênçãos de Deus. Mas Jung fala de uma substituição da “grande potencia” pelo mundo ou dinheiro. Apesar dos conceitos diretos ou indiretos não serem em tese os mesmos, não fica difícil de fazermos aqui uma ponte com relação ao conceito de alienação de Tillich, quando o ser humano afasta-se da centralidade de Deus, e assume a sua própria centralidade e tenta conquistar a sua onipotência. Os itens enumerados por Jung, nada mais são do que degraus para que o ser humano dentro da sua alienação tente alcançar a infinitude, ou seja tente alcançar a sua própria deificação. Tillich afirma: 2

“Todos os seres humanos alimentam o secreto desejo de serem como Deus e todos agem de acordo com isso em sua auto-avaliação e auto-afirmação”.

É quando o ser humano tenta se auto afirmar através das suas conquistas para suprir a sua necessidade de infinitude que ocorre a sua alienação.

Esta necessidade de infinitude aponta para Deus, que é eterno, e do qual devemos participar. Não é possível preenchermos esta angustia de outra forma, alias todas as outras formas são destrutivas e alienantes ao ser e por isso “demoníacas”.



----------------------------------------------------------------------------------

1-Jung, C. G. Psicologia e Religião Oriental, Ed.Circulo do Livro, pg 15

2 -Tillich, Paul Teologia Sistemática, Ed. Sinodal/ EST, 5ª Edição Revisada, pg 345

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A violência, policial nossa de cada dia...

 

Rotineiramente o Brasil passa por períodos onde o caos na segurança pública aumenta a níveis astronômicos, e para piorar o cenário, outro problema está se tornando sistêmico: a violência policial. Não se trata de eventos isolados, fruto do acaso, ou por um problema momentâneo, mas sim de um sistemático descaso com a segurança pública, e com os direitos humanos.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 11 a cada 100 mortes violentas intencionais foram provocadas pelas Polícias, em 2018 foram 6.220 vítimas destes 99,3% eram homens, 77,9 % tinham entre 15 e 29 anos e,  75,4% eram negros. Este quadro demostra claramente quem são as principais vítimas da violência policial.

Segundo Thomas Hobbes, no seu livro Leviatã o acordo para que a sociedade permitisse a existência de um poder regulador sobre a vida dos indivíduos era que, este poder de força seria cedido em troca da garantida de segurança, isto é, nos submetemos às leis e a autoridade para que esta mesma nos garanta a tranquilidade e segurança em nossas vidas cotidianas.

O uso da força, da violência por parte da polícia sempre deve ser uma ação reativa. Isto é, a polícia reage a violência, ela não promove a ação violenta. Não se pode admitir que a polícia exerça uma ação antes de ser provocada por uma ação e a resposta deve ser igual ao grau de violência, e não a exceder. Isto   faz parte do escopo da ação policial, e todo policial deve ser treinado para isto. Este procedimento é parte do risco da sua profissão, e é por isto que a polícia deve ser valorizada e respeitada.

Porém quando este preceito deixa de ser respeitado a polícia deixa de ser uma segurança para ser um perigo, a todo e qualquer indivíduo. Há aqueles que sempre argumentam que, “bandido bom é bandido morto”, frase infelizmente popularizada por muitos programas apelativos de televisão. Cabe lembrar que no Brasil não existe pena de morte, e mesmo que existisse, não isentaria do processo legal. Em nenhuma parte do mundo ocorrem execução sumárias pelas forças policiais, as quais não estão investidas do poder judiciário. O fato é que este procedimento inverte toda a lógica normal da sociedade, o policial torna-se um assassino e o suspeito, claramente é a vítima, e não há outra forma de se nominar o fato, se o agressor  foi privado do justo processo de acusação, com a possibilidade de defesa, e caso condenado, cumprir a pena de acordo com o código penal, que não é a pena de morte. O Estado brasileiro, vem, constante e sistematicamente falhando na condução de ambiente de segurança pública. É preciso que retomemos a um estado justo e cumpridor dos acordos sociais, que possibilite direcionar e facilitar caminhos para o desenvolvimento social, garantindo a segurança pública e que respeite o arcabouço legal sustentado na constituição e na normatização jurídica.

 

https://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf